sábado, 3 de janeiro de 2015

TELEPATIA

Já faz muito tempo que ocorrências telepáticas, como a que me referi no texto sobre Ferreira Gullar, não me acontecem. Lembro-me de outra, também pertencente a esse mágico universo da poesia, que tanto marcou e enriqueceu a minha vida.
Sem dúvida, as aulas do professor Alfredo Bosi, autor da “História Concisa da Literatura Brasileira” entre tantas outras obras, foram as melhores que assisti na faculdade. Lembro-me dele entrando na classe, desatenta, em seu burburinho antes d...a aula começar. Sentava, dava umas batidinhas na mesa pedindo silêncio e começava a falar. O tom baixo era a sua característica, mas a aula sempre engrenava sem maiores problemas. Então, ele desfilava a sua cultura literária invejável dando-nos o privilegio do acesso a ela.
Muito tempo depois da época da faculdade, um dia de manhã, antes de ir para o trabalho eu estava pensando na Divina Comédia, na força incomum de um amor adolescente e o seu reflexo em uma obra importante; uma referência à Dante e Beatriz feita num ensaio de Jung. Por aqueles dias eu andava lendo e pensando na Divina Comédia. Então, me lembrei de que já tivera o privilegio das aulas do professor Bosi; e que, lamentavelmente, não tinha mais acesso a ele, à sua erudição, aliada a uma formação construída na Itália.
Na hora do almoço tomei o rumo da Av. Faria Lima. Era o final dos anos oitenta e eu, já inteiramente adaptado à Região da Rebouças, estabelecera um traçado de caminho dos mais agradáveis: seguia pelos fundos do Jardim América, pela Sampaio Vidal, virava pela encantadora Rua Maria Carolina como se adentrasse em um bosque proibido; ate a pequena Rua Grécia, que desembocava na Faria Lima, exatamente em frente ao Shopping Iguatemi. Ali, o premio final do trajeto era o café do restaurante Almanara; considerado o melhor café de São Paulo. A minha versão preferida desse café era com leite e canela, adoçado com açúcar mascavo.
Pois nesse dia de manhã, em que eu pensara na Divina Comédia, nas aulas do professor Bosi , quando tomava o meu café, ele veio chegando com a esposa, Ecléa Bosi, para tomar café exatamente ao meu lado. Ele me reconheceu; tínhamos amigos em comum. Conversamos, e dessa vez falei da coincidência: ter pensado nele naquela manhã, dando detalhes também do meu interesse sobre a Divina Comédia. Ele sorriu, e disse que acreditava mesmo nessas comunicações telepáticas. Nos despedimos. Já faz tempo isso; tenho uma porção de livros do professor Alfredo Bosi entre os meus livros.

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