sábado, 10 de janeiro de 2015

SOBRE O SURREALISMO


Depois do que escrevi sobre a abstração, em contrapartida afirmo o império da figura na arte do século vinte: o Surrealismo. O surrealismo pode ser identificado em qualquer tempo, como vertente fantástica da arte; e permanece ativo e fecundo na expressão artística contemporânea. Ele foi e é caro para nós, porque a figura nos é cara; e se prescindir da figura foi uma opção de um grande número de artistas na pintura do século vinte, ela é uma negação que, longe de suprimir, realça com mais força o que nega; faz isso, quanto mais radical for essa negação.

 Ao aventurar-se pelos meandros, até o interior da mente, propondo a sua expressão direta, automática, o Surrealismo quis chegar ao recôndito, ao que é básico na condição humana: os sonhos; suas imagens; o confronto Civilização (Cultura, Vida Social, Religião) com os nossos desejos primários, com as nossas angústias animais. E a realidade, dependendo da sensibilidade de quem a contempla, apresenta-se, ela mesma, muitas vezes fantástica: a natureza, os incidentes, até mesmos os fatos cotidianos sob uma luz ordinária, muitas vezes, é como uma fábula de Kafka “a vida é assombrosamente curta. Agora ao recordá-la, aparece-me tão condensada, que, por exemplo, quase não compreendo como um jovem pode tomar a decisão de ir a cavalo até o povoado mais próximo sem temer — e descontando certamente a má sorte — que mesmo o lapso de uma vida normal e feliz não chegue para começar semelhante viagem”. O extraordinário, o perturbador, nos espreita —os sonhos, esse fluxo que nos coloca em situações bizarras, incompreensíveis. O fascínio pela figura é perene, mais ainda na percepção extra sensível do artista.  O poeta Octávio Paz, que conviveu e teve amizade com membros ilustres do Surrealismo, como André Breton e Luis Buñuel, situou esse movimento, “O que distingue o Romantismo e o Surrealismo do resto dos movimentos literários modernos é o seu poder de transformação e sua capacidade para atravessar, subterraneamente, a superfície histórica e reaparecer outra vez. Não se pode enterrar o Surrealismo porque não é uma ideia e sim uma direção do espírito.”

 Embora expressões ricas da pintura — ao mesmo tempo primitivas, ingênuas — como Miró e Chagall tenham tido participações laterais no Surrealismo, os artistas que o militaram (esse é o termo) o fizeram com total entrega e convicção. No caso da pintura, reencontramos no surrealismo, volumes trabalhados, utilização da perspectiva para representar o espaço; elementos tradicionais dessa arte que foram reutilizados sem cerimônia pelos pintores surrealistas. Basta olhar para os quadros para sentir esse revigoramento da figura.

P.S. Durante o século passado abusou-se da vertente fantástica da arte, tanto na pintura como na literatura, tornando-a, em muitos casos, artificial e retórica. Não sou apreciador da pintura de Salvador Dali, que enquadro como pioneiro no vício da expressão fantástica que estou criticando. Separo, em contrapartida, dois nomes que aprecio de forma particular como exemplo da melhor pintura surrealista: Max Ernest e Paul Delvaux.

 

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