sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

PRECE POR UMA MOÇA


Uma moça morreu no cruzamento das ruas Sebastião Antas com a Álvaro Ribeiro, no centro de Americana. Vinha de moto, um carro avançou o pare; no impacto da colisão o capacete soltou-se e ela bateu com a cabeça no chão.

Alguém do meu condomínio foi até o local e descreveu a moça, morta instantaneamente: olhos abertos; bonita, cabelos negros, misturados ao sangue, os braços estendidos. Em meu recolhimento dolorosamente pensei " de olhos abertos, fitando (sem ver) o azul do infinito na manhã de sol".

Quando acontece uma morte como a dessa mocinha, tão brutal, o que me devasta, antes de tudo, é a ideia do impacto da chegada da notícia ruim no seio da família. Depois vem o questionamento: para uma vida, finada assim, tão prematuramente, o que ela, ou nela, deixa de se realizar? O que se inicia logo após a morte? Nada? Como penetrar o enigma que se insinua perturbadoramente por trás dessa palavra: nada. A escuridão total, ou uma luz intensa, que também cega? Deus, em sua ofuscante majestade? Se há uma forma individual de continuar existindo após a morte, esse é o desafio maior à nossa imaginação, à nossa sensibilidade. Penso na morte desde criança. Todos deveriam pensar. Freud, o criador da psicologia moderna aconselhou: “se queres a vida, prepara-te para a morte”. Mais reflexivos, pensando nela, quem sabe haveria mais cuidado com esse bem maior, a vida.

No Brasil ninguém é punido por matar alguém no trânsito. Vidas se vão e permanecem impunes esses propagadores do luto; até que, diante da própria morte, no último instante, eles sejam devastados pela consciência de terem sido responsáveis pelo sofrimento alheio; a sua terrível dívida.

Em minha memória ficará esse sábado ensolarado quando, abaixo da minha janela, a vida de uma mocinha foi tirada; acolha-a — junto, a dor de sua família — o nazareno Deus do sofrimento.

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