sábado, 10 de janeiro de 2015

APONTAMENTOS SOBRE A ARTE ABSTRATA


“Não existe arte sem um grau de abstração”, afirmou Fayga Ostrower, artista e educadora. O mais convicto naturalismo também abstrai, pois, como todo esforço para representar a realidade ele é, no final das contas, um artifício; e portanto, é seletivo. Um pouco de reflexão também logo nos levará à conclusão de que é impossível reproduzir a realidade na arte.
Ao fazer de saída essas afirmações, atenuamos a polêmica sobre a proeminência, seja do modo figurativo, seja do modo abstrato, como expressão pictórica mais válida. Polêmica que chegou a ser calorosa no século vinte e que às vezes ainda reacende no meio artístico e no mercado de arte.

 No inicio do século passado foi possível ver, de forma até didática, o momento da passagem, da figura para a abstração; principalmente em Kandinsky; mas é necessário frisar que o impacto, a reação no meio artístico quando da produção das primeiras pinturas abstratas, ocorreu no contexto burguês, individualista, da arte europeia, depois de séculos de um figurativismo poderoso. Contexto burguês de artistas, entendidos já como mais do que artesões apenas, mas como homens de cultura. É necessário, finalmente, deixar assinalada a ressalva, que motivos abstratos (arabescos, geometria) foram maravilhosamente desenvolvidos na arte islâmica, e também na produção de padrões de tecidos, em outras culturas.

 Feitas as ressalvas, ao observar o caminho evolutivo contemporâneo da abstração, vamos até a utilização de materiais, superfícies, que viriam a extrapolar o uso convencional de telas e tintas; além de constatar que o artista,  opta pela abstração normalmente o faz depois de passar pela figura, e que  a abstração é opção mais autêntica e consistente, depois disso. É aconselhável, portanto, que o jovem estudante, e futuro artista, comece por estudar e tentar dominar os segredos da figura para, só então, se sentir necessidade, optar pela abstração.

A arte abstrata, pode-se dizer, é um estágio intelectualizado da arte, distanciado do caráter mágico da figuração; desenvolvendo-se na maturidade do artista. Ao dispensar a referência à natureza e aos artefatos que povoam a cultura humana, no caso da pintura, ela torna-se só pintura — arte pura — opção defendida em termos teóricos e às vezes, até mesmo em termos religiosos, por alguns artistas no do início do século vinte.

Em seus sinais mais remotos a pintura foi figurativa. Ainda hoje o impulso comum de quem começa a desenhar, a pintar, é figurativo; esforço em parte inconsciente, de intenção mágica; tentativa de exercer domínio sobre a realidade: desenhávamos (quando crianças) ou desenhamos adultos, aquilo que nos fascina ou o que nos causa temor; e é praticamente inevitável que isso apareça na forma/figura.

A plenitude da arte clássica; (e o seu posterior renascimento), estabeleceu-se com o domínio da representação da anatomia humana, com o domínio da representação de todas as formas da natureza, estendendo-se à figura dos artefatos criados pelo homem. Tudo isso regido dentro da conquista da ilusão de profundidade no espaço bidimensional da folha de papel, da tela ou das paredes; pelo método da perspectiva. A esse conhecimento somou-se a técnica do claro escuro para transmitir a sensação de volume. Poucas conquistas na esfera das artes visuais fascinaram tanto, foram tão arduamente alcançadas, como a representação da profundidade e do volume no espaço bidimensional.

 Vale refletir: porque essas conquistas foram quase que inteiramente desprezadas pela arte moderna?

Sem dúvida o prestígio da ciência e as suas descobertas desafiaram a arte, colocaram diante dela uma nova compreensão da realidade, desafiaram um novo caráter naturalista. Perderam a proeminência na pintura, a relação fundo figura, a ilusão de primeiro e segundo plano — perdeu valor, o caráter ilusório da arte, enquanto crescia a importância da expressão da simultaneidade, os efeitos da luz natural sobre as formas. Ver a figura em todos os seus lados, simultânea e instantaneamente, decomposta, (analítica ou sintética), como no Cubismo; ver as formas sob o efeito da luz natural ao levar a pintura para fora do estúdio, como fizeram os pintores impressionistas, foi tentativa de alcançar outro patamar naturalista. Assim, é compreensível a rebeldia diante do cânone clássico: uma nova sensibilidade artística solicitava novos conhecimentos, novas atitudes e soluções plásticas; livres do dogma da academia. Mas, o impressionismo e o cubismo, mantiveram-se ainda dentro da expressão figurativa; a pintura abstrata foi além:  buscou a independência do fazer artístico; livre da natureza, e de qualquer preocupação que não fosse a arte em si mesma. Ao abstrair, os pintores chegaram a modos extremamente sintéticos, sutis, de pura arte.

 Por isso, a arte abstrata é forçosamente sofisticada; trouxe para grande parte do público uma dificuldade, muitas vezes, insuperável de apreciação. Passou a ser necessário descondicionar-se da grande tradição figurativa, ter conhecimento dos fundamentos da linguagem pictórica (o que demanda estudo) para apreciar essa arte.

Isso foi bom para a pintura? E porque o figurativismo nunca foi inteiramente superado, e se renova na sensibilidade de novos e autênticos artistas? Essas perguntas demandam um aprofundamento do que foi anotado brevemente aqui.

Um comentário:

  1. Nem sempre é fácil entendermos a Arte pela Arte! Como você disse a figuração é um apelo quase endêmico do ser humano, contudo, o contemporâneo busca em todas as vertentes a sua identidade e se encontra também no Abstracionismo e encontra maneiras diferentes de abstrair, como é o caso do artista Nadir Afonso que comentamos. Gosto de seu período Fractal e Antropomórfico que, mesmo quando aparece a figura humana, ela está tão abstraída em suas formas, que encanta!
    http://www.nadirafonso.com/obra/periodos/periodo-antropomorfico/

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