“Não existe arte sem um grau de abstração”, afirmou
Fayga Ostrower, artista e educadora. O mais convicto naturalismo também abstrai,
pois, como todo esforço para representar a realidade ele é, no final das contas,
um artifício; e portanto, é seletivo. Um pouco de reflexão também logo nos levará à
conclusão de que é impossível reproduzir a realidade na arte.
Ao fazer de saída essas afirmações, atenuamos a
polêmica sobre a proeminência, seja do modo figurativo, seja do modo abstrato,
como expressão pictórica mais válida. Polêmica que chegou a ser calorosa no
século vinte e que às vezes ainda reacende no meio artístico e no mercado de
arte.
Feitas as
ressalvas, ao observar o caminho evolutivo contemporâneo da abstração, vamos até a utilização de materiais, superfícies, que viriam a extrapolar o uso convencional de telas e tintas; além de constatar que o artista, opta pela abstração normalmente o faz depois de passar pela figura, e que a abstração é opção mais
autêntica e consistente, depois disso. É aconselhável, portanto, que o
jovem estudante, e futuro artista, comece por estudar e tentar dominar os
segredos da figura para, só então, se sentir necessidade, optar pela abstração.
A arte abstrata, pode-se dizer, é um estágio intelectualizado
da arte, distanciado do caráter mágico da figuração; desenvolvendo-se na maturidade do artista. Ao dispensar a referência à natureza e aos artefatos
que povoam a cultura humana, no caso da pintura, ela torna-se só pintura — arte pura — opção
defendida em termos teóricos e às vezes, até mesmo em termos religiosos, por
alguns artistas no do início do século vinte.
Em seus sinais mais remotos a pintura foi figurativa. Ainda
hoje o impulso comum de quem começa a desenhar, a pintar, é figurativo; esforço
em parte inconsciente, de intenção mágica; tentativa de exercer domínio sobre a
realidade: desenhávamos (quando crianças) ou desenhamos adultos, aquilo que nos
fascina ou o que nos causa temor; e é praticamente inevitável que isso apareça na forma/figura.
A plenitude da arte clássica; (e o seu posterior
renascimento), estabeleceu-se com o domínio da representação da anatomia humana,
com o domínio da representação de todas as formas da natureza, estendendo-se à
figura dos artefatos criados pelo homem. Tudo isso regido dentro da conquista
da ilusão de profundidade no espaço bidimensional da folha de papel, da tela ou
das paredes; pelo método da perspectiva. A esse conhecimento somou-se a
técnica do claro escuro para transmitir a sensação de volume. Poucas conquistas
na esfera das artes visuais fascinaram tanto, foram tão arduamente alcançadas, como
a representação da profundidade e do volume no espaço bidimensional.
Vale
refletir: porque essas conquistas foram quase que inteiramente desprezadas pela
arte moderna?
Sem dúvida o prestígio da ciência e as suas
descobertas desafiaram a arte, colocaram diante dela uma nova compreensão da
realidade, desafiaram um novo caráter naturalista. Perderam a proeminência na
pintura, a relação fundo figura, a ilusão de primeiro e segundo plano — perdeu
valor, o caráter ilusório da arte, enquanto crescia a importância da expressão
da simultaneidade, os efeitos da luz natural sobre as formas. Ver a figura em
todos os seus lados, simultânea e instantaneamente, decomposta, (analítica ou
sintética), como no Cubismo; ver as formas sob o efeito da luz natural ao levar
a pintura para fora do estúdio, como fizeram os pintores impressionistas, foi tentativa
de alcançar outro patamar naturalista. Assim, é compreensível a rebeldia diante
do cânone clássico: uma nova sensibilidade artística solicitava novos
conhecimentos, novas atitudes e soluções plásticas; livres do dogma da academia.
Mas, o impressionismo e o cubismo, mantiveram-se ainda dentro da expressão
figurativa; a pintura abstrata foi além: buscou a independência do fazer
artístico; livre da natureza, e de qualquer preocupação que não fosse a arte em
si mesma. Ao abstrair, os pintores chegaram a modos extremamente sintéticos, sutis,
de pura arte.
Por isso, a arte
abstrata é forçosamente sofisticada; trouxe para grande parte do público uma
dificuldade, muitas vezes, insuperável de apreciação. Passou a ser necessário
descondicionar-se da grande tradição figurativa, ter conhecimento dos
fundamentos da linguagem pictórica (o que demanda estudo) para apreciar essa
arte.
Isso foi bom para a pintura? E porque o
figurativismo nunca foi inteiramente superado, e se renova na sensibilidade de
novos e autênticos artistas? Essas perguntas demandam um aprofundamento do que
foi anotado brevemente aqui.
Nem sempre é fácil entendermos a Arte pela Arte! Como você disse a figuração é um apelo quase endêmico do ser humano, contudo, o contemporâneo busca em todas as vertentes a sua identidade e se encontra também no Abstracionismo e encontra maneiras diferentes de abstrair, como é o caso do artista Nadir Afonso que comentamos. Gosto de seu período Fractal e Antropomórfico que, mesmo quando aparece a figura humana, ela está tão abstraída em suas formas, que encanta!
ResponderExcluirhttp://www.nadirafonso.com/obra/periodos/periodo-antropomorfico/