terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Crônica Sentimental em um tempo de todos (4)

O congestionamento das velas e dos mastros no cais. Na Avenida Costeira Felisa toma a ultima condução e desaparece para sempre. Dela, fica apenas o travo e a luz de uma doida nostalgia, um quase soluço.

Já havia uma tristeza irremediável esperando, desde o primeiro instante em que imaginei Felisa, sentimento pertencente a uma esfera maior do que a minha e, ao mesmo tempo, rigorosamente peculiar ao meu mundo interior. Tive um árduo trabalho até Felisa configurar-se, enquanto ela se debatia para abandonar o limbo. Uma garota prodigiosa. Percebo agora que o f de (F)elisa, esconde o outro nome. Então, é como se Elisa voltasse apenas para me dizer: passei por tua vida para dar forma a essa tristeza, para que ela, ao te pertencer, conformasse um dia a tua personagem...

Rilke aventou a hipótese de que o nosso ritmo no Universo, talvez fosse o da tristeza: estou andando por uma cidade desconhecida, à noite, a minha mulher partiu e nunca mais voltará, não terei mais qualquer chance de reencontrá-la ou de encontrar qualquer outra mulher, “noites brancas, sem mulheres.” Porém, de repente, passando de uma noite a outra, de um sonho a outro sonho, numa revigorante primavera anoitece e Fanny me espera, namorada;  sem laço ou compromisso algum além de ser a minha  namorada; vem, brota, e o seu sorriso, e os seus olhos lindos, plenos de noite escura, avançam e deitam sobre mim a sombra fatal da mais arrebatadora felicidade.

Hoje, isento da política, trabalho e tento recriar; recorro às palavras, à pintura, em difícil labor diário, tento me aproximar (escravo feliz) desses conteúdos ardentes, desse dia e noite que passa, volta e continua, sem memória, sobre o caminho de retorno ao jardim primordial.

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