terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Crônica sentimental em um tempo de todos (1)

“Os anos sessenta acendiam-se promissores”, escrevi em algum lugar. 1968 foi  uma labareda, fogo que nunca se apagou inteiramente: “O ano que não terminou”, segundo Zuenir Ventura. Nas capitais brasileiras os estudantes foram para as ruas contra a Ditadura, ergueram-se barricadas em Paris, a Argentina engendrava o Cordobazo. Eu me preparava para o vestibular. Só a USP interessava; espaço único, pronto, de oposição política. Entre os meus professores, alguns apareceriam depois nos cartazes de terroristas caçados pela polícia da Ditadura. Assim encontrei o meu professor, e amigo, Chizuo Osawa o “Mario Japonês” da VPR, sigla de facção revolucionaria comandada pelo temido Capitão Lamarca.

Pensando na revolução, solitário, tímido, eu queria encontrar uma namorada. Sem que me desse conta Fanny chegou e veio sentar-se comigo na classe. Era, antes de mais nada, uma bela garota: pequena, delicada, cabelos curtos, pretos, tez clara. Só me lembro dela vestida em saia justa e blusa, como se viesse direto do trabalho para a escola. Num começo de noite, andando por Santo André vi Fanny saindo da porta iluminada de um edifício e, de repente, achamo-nos juntos e juntos fomos para a escola, subindo as feéricas calçadas da Rua Coronel, atravessando as luzes. Sentamos, os dois, sozinhos na classe. Uma colega chegou e quase disse que estávamos namorando. Não estávamos. Acho que Fanny gostava de mim; quem sabe, do meu jeito tímido, interessado pela literatura. Fiz um desenho para ela. O ano de 1968 seguia rumo à encruzilhada rebelde. Para mim, foi ano de Fanny, figura linda, fragrância no correr das noites, sonhos de revolução, canções de protesto. Porém, McArthur Park, longa canção-performance, americana, é que ressoa ainda hoje na minha cabeça como a marca sonora daquele ano.

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