terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Crônica Sentimental em um tempo de todos (3)

Só consegui reter Elisa por alguns minutos, tempo de atualizar um pouco as peripécias de nossas vidas de estudantes. Quando eu quis tocar no assunto pessoal ela evitou; se foi. Nunca mais a vi ou soube qualquer coisa dela. Talvez, ela fosse prisioneira de alguma complicação afetiva, da qual nunca tive ideia, que a levava a me rejeitar exatamente por gostar de mim.

Estava terminando o ano de 1973 e a esquerda, em todas as suas nuances e dissidências, se recolhia, limitava-se a “lamber as feridas”. Em 1971 o Capitão Lamarca tinha sido morto no sertão da Bahia, chegando ao fim depois de uma agoniada fuga. Um pouco antes dele morrera também Iara Iavelberg a sua bela companheira. Aliás, ela matou-se com um tiro no coração no calor de um tiroteio, em meio ao gás lacrimogêneo, na eminência de ser presa e interrogada. Segundo relato na obra de Elio Gaspari sobre a Ditadura Militar Brasileira, Iara foi transportada ainda com vida, mas o policial que a levava apoiada no colo dentro da viatura, disse ao que dirigia, que não havia razão para pressa, que ela acabara de morrer. Em São Paulo, Joseíta Ustra, mulher do comandante do Doi Codi do II Exército, que acompanhava a história da paixão do casal guerrilheiro lendo cartas capturadas, ao saber da morte de Iara não conseguiu conter uma lágrima.

E por falar em Doi do II Segundo Exército, fui preso duas vezes. Sem militância logo fui solto. Mas, conheci o endereço do inferno, o Doi Codi na Rua Tutóia. Em meados dos anos oitenta abandonei o esquerdismo, sem outra opção política, e o meu pensar tornou-se mais livre e pertinente.


Sonho com Elisa de vez em quando; sonho que namoramos e ela me abandona. É um sonho recorrente e, embora tanto tempo tenha se passado, quando acordo sinto a força de uma estranha realidade; presente, mas, misteriosamente anterior à minha própria história pessoal. Só recentemente julguei entender o olhar de Elisa naquela noite em que a vi pela última vez.

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