terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Crônica Sentimental em um tempo de todos (2)

O ano de 1968 “nunca terminou” e Fanny se foi para, no ano seguinte, começar a estudar em alguma faculdade da região. Eu não entrei na USP o que só conseguiria um ano depois, amargando mais um período de preparação para o vestibular. Não consegui dizer a Fanny que queria namorá-la e a sua figurinha linda partiu (na realidade) para ficar em meu pensamento, juntando-se à Deise, Elenita, Beatriz, outros amores platônicos —e Elisa. Porém, com Elisa foi diferente: a fórceps arranquei de mim, para ela, uma declaração de amor.

Já estávamos em 1971 e as últimas datas do calendário dos anos rebeldes já tinham virado, as nuvens cinzentas, pesadas, dos anos de chumbo, baixavam sobre nós. Destroçada a guerrilha, varridas as barricadas, a mão implacável da repressão caiu sobre os velhos Partidos Comunistas. A via democrática para socialismo que começara a ser trilhada no Chile terminaria em 1973 num banho de sangue.

Um amante da literatura, e péssimo aluno de letras, era eu; já Elisa, uma aplicada aluna do curso de letras anglo-germânicas. Procurou a minha amizade, andamos juntos um semestre, ela me emprestou um disco da Joan Baez. Elisa era magrinha, quase etérea. Me apaixonei aos poucos por ela, mas foi um caminho sem retorno. Não me correspondeu; misteriosa, não me disse porque. Desapareceu no segundo semestre. Passei quase dois anos procurando uma pista que me levasse a ela, sem sucesso. Mudei o meu curso para o período noturno.  Uma noite qualquer eu, distraído, sentado  em um banco de um dos corredores da faculdade, escutei um fio de voz feminina chamar o meu nome. Ergui a cabeça e Elisa estava na minha frente, abraçada com os cadernos, a cabeça inclinada um pouco para a direita, sorrindo tristemente. O meu olhar, tenho certeza — e talvez ela também tenha percebido —, expressava quanto eu tinha esperado por aquele momento.

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